quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Restaurante Pau do Guarda - 65 Anos

O Instituto Cultural do Cariri  realizou reunião festiva no ensejo da festa de 65 Anos do tradicionalíssimo Restaurante Pau do Guarda de Crato. Vários membros estiveram presentes ao conclave , onde foi apresentado  um esquete sobre a história do Restaurante que está ligado umbilicalmente à boêmia cratense das últimas seis décadas. O texto apresentado é de J. Flávio Vieira ( ICC)  e contou com a atuação dos atores Cacá Araújo ( ICC), Orleyna Moura, João do Crato ( ICC) e Cacinha Rocha. Uma seleta plateia superlotou as dependências do Restaurante, inclusive os proprietários originais : D. Raimunda e Seu Cicim , além de incontáveis amigos e familiares. A festa foi regada a Pirão de Galinha e Caldo de Ovos pratos que terminaram por se tornar um selo da cratensidade. Veja abaixo  texto do historiador Dr. Carlos Rafael Dias sobre nosso tradicional Pau do Guarda, publicado no Blog do Crato.





Pau-do-Guarda: um ‘lugar’ que não quer ser esquecido

Carlos Rafael Dias
Professor do Curso de História da Universidade Regional do Cariri – URCA
Tabuleiro da Carne, sucessor e mantenedor da memória do Pau-do-Guarda

‘Pau do guarda’, no lado malicioso do senso comum, é uma expressão, no mínimo, ambígua. Porém, quando antecedido do substantivo ‘restaurante’ e permeado de hifens, passa a ser uma forte referência na memória dos cratenses com mais de 40 anos, assumindo uma ‘entidade’ que transcende sua singular origem e se dimensiona em contextos sociais e sentidos culturais mais amplos, capazes de provocar as mais diversas reações de emoção e enlevo.

Nesse contexto, uma questão é relevante: por que estamos agora a celebrar a memória do Pau-do-Guarda?

Antes de tudo, o Pau-do-Guarda enquadra-se naquilo que o historiador francês Pierre Nora chama de ‘lugares de memória’, espaços importantes onde a ideia da reminiscência é plena, por enxergar neles a vontade de ser lembrado por aqueles que querem revisitar o passado sob um prisma diferente.

Em segundo lugar, o desejo de lembrar é universal, a partir de esforços frequentemente projetados para evocar uma reação específica ou conjunto de reações, como reconhecimento público de situações vividas e compartilhadas. Assim, a memória possui uma forte carga de emoções, de histórias e de vidas, o que remete, para além dos rótulos, quase sempre superficiais ou artificiais, ao lado humano e fascinante das ‘coisas’, constituído de pessoas que, tidas comuns, se destacam no cotidiano local.

Falo, notadamente, de Cícero Ribeiro Lobo, mais conhecido por Cicinho do Pau-do-Guarda, e de sua esposa, Dona Raimunda, os principais ‘inventores’ deste hoje reconhecido patrimônio da cultura caririense. Por sua vez, os filhos de Cicinho e Raimunda dão continuidade ao empreendimento pioneiro, a despeito da outra ‘roupagem’ que reveste o seu sucessor. E o fazem com a utilização de alguns elementos discursivos, imagéticos e estratégicos, como o retrato do casal-fundador na parede e o cardápio ‘recheado’ de pratos herdados do menu original. Promovem, dessa forma, a permanência do antigo e tradicional perante ao novo e moderno, em um esforço que foi reforçado com a celebração festiva (e não poderia ser diferente) dos 65 anos do estabelecimento, mantido com uma nova (e antiga) denominação – Tabuleiro. Este é o atual e foi o primeiro nome deste consagrado monumento da memória regional.

Iniciativas como estas concorrem para o processo de materialização da memória, visto que transformam em símbolo um resgate histórico de valor coletivo para uma determinada comunidade, objetivando evitar o esquecimento e o descaso para com a história local. Como disse o filósofo austríaco Alfred Schültz, “só aquilo que já decorreu pode ser simbolizado”.

No mais, a ideia da materialização da memória é de suma importância para promover a compreensão e a consciência a respeito de como fenômenos passados contribuem para o bem-estar e a satisfação de uma comunidade consciente de seus direitos e obrigações.

O Pau-do-Guarda cumpre assim sua missão, mesmo já tendo, com esta nomenclatura, “cerrado suas portas” que, a rigor, nunca existiram. Uma de suas mais interessantes características era o de servir os clientes todos os dias e o dia todo, o que torna local historicamente distinto e, portanto, fadado a ser sempre lembrado.

O Pau-do-Guarda continuará nos servindo diuturnamente com o ‘néctar’ da memória coletiva, que será indelével ser for constantemente alimentada pelo exercício da manutenção da história como um espaço que renasce com as experiências que marcam e demarcam os tempos.
Celebração dos 65 anos do Pau-do-Guarda. Da esquerda para a direita: Cacá Araújo, Irene Lobo, dona Raimunda, Orleyna Moura, Cicinho e José Flávio Vieira

Ontem (29/01), portanto, foi uma data para celebrar a memória através dos sabores, das cores, dos sons e das falas do presente. O Tabuleiro (da Carne) estava lotado com a velha e a nova guarda do Crato e do Cariri, rememorando ou (re)conhecendo as imbrincadas velhas e novas cartografias da noite boêmia regional, em um palimpsesto que remete aos tempos e às experiências tidas como inolvidáveis.

Gastronomia tradicional, verdadeiro patrimônio da cultura regional, aliou-se à música de seresta e ao teatro que narrou, de forma bem-humorada, a história do tradicional restaurante Pau-do-Guarda, em um magistral texto escrito por José Flávio Vieira e interpretado pelos atores Cacá Araújo, Orleyna Moura e João do Crato.

Quem foi viu, sentiu, degustou e comprovou: é possível voltar no tempo, desde que o passado permaneça vivo na memória.

P.S.: O restaurante Pau-do-Guarda tinha este nome em decorrência de um pau-cancela que existia nas proximidades, na saída do Crato para o Juazeiro. O pau era manuseado por um guarda fiscal, visando controlar o fluxo de carros que transportavam cargas e mercadorias - o que hoje se chama posto fiscal e que naquele tempo a população chamava de pau-do-guarda.


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