Pau-do-Guarda: um ‘lugar’ que não quer ser esquecido
Carlos Rafael Dias
Professor do Curso de História da Universidade Regional do Cariri – URCA
Professor do Curso de História da Universidade Regional do Cariri – URCA
Tabuleiro da Carne, sucessor e mantenedor da memória do Pau-do-Guarda
‘Pau do guarda’, no lado malicioso do senso comum, é uma expressão, no mínimo, ambígua. Porém, quando antecedido do substantivo ‘restaurante’ e permeado de hifens, passa a ser uma forte referência na memória dos cratenses com mais de 40 anos, assumindo uma ‘entidade’ que transcende sua singular origem e se dimensiona em contextos sociais e sentidos culturais mais amplos, capazes de provocar as mais diversas reações de emoção e enlevo.
Nesse contexto, uma questão é relevante: por que estamos agora a celebrar a memória do Pau-do-Guarda?
Antes de tudo, o Pau-do-Guarda enquadra-se naquilo que o historiador francês Pierre Nora chama de ‘lugares de memória’, espaços importantes onde a ideia da reminiscência é plena, por enxergar neles a vontade de ser lembrado por aqueles que querem revisitar o passado sob um prisma diferente.
Em segundo lugar, o desejo de lembrar é universal, a partir de esforços frequentemente projetados para evocar uma reação específica ou conjunto de reações, como reconhecimento público de situações vividas e compartilhadas. Assim, a memória possui uma forte carga de emoções, de histórias e de vidas, o que remete, para além dos rótulos, quase sempre superficiais ou artificiais, ao lado humano e fascinante das ‘coisas’, constituído de pessoas que, tidas comuns, se destacam no cotidiano local.
Falo, notadamente, de Cícero Ribeiro Lobo, mais conhecido por Cicinho do Pau-do-Guarda, e de sua esposa, Dona Raimunda, os principais ‘inventores’ deste hoje reconhecido patrimônio da cultura caririense. Por sua vez, os filhos de Cicinho e Raimunda dão continuidade ao empreendimento pioneiro, a despeito da outra ‘roupagem’ que reveste o seu sucessor. E o fazem com a utilização de alguns elementos discursivos, imagéticos e estratégicos, como o retrato do casal-fundador na parede e o cardápio ‘recheado’ de pratos herdados do menu original. Promovem, dessa forma, a permanência do antigo e tradicional perante ao novo e moderno, em um esforço que foi reforçado com a celebração festiva (e não poderia ser diferente) dos 65 anos do estabelecimento, mantido com uma nova (e antiga) denominação – Tabuleiro. Este é o atual e foi o primeiro nome deste consagrado monumento da memória regional.
Iniciativas como estas concorrem para o processo de materialização da memória, visto que transformam em símbolo um resgate histórico de valor coletivo para uma determinada comunidade, objetivando evitar o esquecimento e o descaso para com a história local. Como disse o filósofo austríaco Alfred Schültz, “só aquilo que já decorreu pode ser simbolizado”.
No mais, a ideia da materialização da memória é de suma importância para promover a compreensão e a consciência a respeito de como fenômenos passados contribuem para o bem-estar e a satisfação de uma comunidade consciente de seus direitos e obrigações.
O Pau-do-Guarda cumpre assim sua missão, mesmo já tendo, com esta nomenclatura, “cerrado suas portas” que, a rigor, nunca existiram. Uma de suas mais interessantes características era o de servir os clientes todos os dias e o dia todo, o que torna local historicamente distinto e, portanto, fadado a ser sempre lembrado.
O Pau-do-Guarda continuará nos servindo diuturnamente com o ‘néctar’ da memória coletiva, que será indelével ser for constantemente alimentada pelo exercício da manutenção da história como um espaço que renasce com as experiências que marcam e demarcam os tempos.
‘Pau do guarda’, no lado malicioso do senso comum, é uma expressão, no mínimo, ambígua. Porém, quando antecedido do substantivo ‘restaurante’ e permeado de hifens, passa a ser uma forte referência na memória dos cratenses com mais de 40 anos, assumindo uma ‘entidade’ que transcende sua singular origem e se dimensiona em contextos sociais e sentidos culturais mais amplos, capazes de provocar as mais diversas reações de emoção e enlevo.
Nesse contexto, uma questão é relevante: por que estamos agora a celebrar a memória do Pau-do-Guarda?
Antes de tudo, o Pau-do-Guarda enquadra-se naquilo que o historiador francês Pierre Nora chama de ‘lugares de memória’, espaços importantes onde a ideia da reminiscência é plena, por enxergar neles a vontade de ser lembrado por aqueles que querem revisitar o passado sob um prisma diferente.
Em segundo lugar, o desejo de lembrar é universal, a partir de esforços frequentemente projetados para evocar uma reação específica ou conjunto de reações, como reconhecimento público de situações vividas e compartilhadas. Assim, a memória possui uma forte carga de emoções, de histórias e de vidas, o que remete, para além dos rótulos, quase sempre superficiais ou artificiais, ao lado humano e fascinante das ‘coisas’, constituído de pessoas que, tidas comuns, se destacam no cotidiano local.
Falo, notadamente, de Cícero Ribeiro Lobo, mais conhecido por Cicinho do Pau-do-Guarda, e de sua esposa, Dona Raimunda, os principais ‘inventores’ deste hoje reconhecido patrimônio da cultura caririense. Por sua vez, os filhos de Cicinho e Raimunda dão continuidade ao empreendimento pioneiro, a despeito da outra ‘roupagem’ que reveste o seu sucessor. E o fazem com a utilização de alguns elementos discursivos, imagéticos e estratégicos, como o retrato do casal-fundador na parede e o cardápio ‘recheado’ de pratos herdados do menu original. Promovem, dessa forma, a permanência do antigo e tradicional perante ao novo e moderno, em um esforço que foi reforçado com a celebração festiva (e não poderia ser diferente) dos 65 anos do estabelecimento, mantido com uma nova (e antiga) denominação – Tabuleiro. Este é o atual e foi o primeiro nome deste consagrado monumento da memória regional.
Iniciativas como estas concorrem para o processo de materialização da memória, visto que transformam em símbolo um resgate histórico de valor coletivo para uma determinada comunidade, objetivando evitar o esquecimento e o descaso para com a história local. Como disse o filósofo austríaco Alfred Schültz, “só aquilo que já decorreu pode ser simbolizado”.
No mais, a ideia da materialização da memória é de suma importância para promover a compreensão e a consciência a respeito de como fenômenos passados contribuem para o bem-estar e a satisfação de uma comunidade consciente de seus direitos e obrigações.
O Pau-do-Guarda cumpre assim sua missão, mesmo já tendo, com esta nomenclatura, “cerrado suas portas” que, a rigor, nunca existiram. Uma de suas mais interessantes características era o de servir os clientes todos os dias e o dia todo, o que torna local historicamente distinto e, portanto, fadado a ser sempre lembrado.
O Pau-do-Guarda continuará nos servindo diuturnamente com o ‘néctar’ da memória coletiva, que será indelével ser for constantemente alimentada pelo exercício da manutenção da história como um espaço que renasce com as experiências que marcam e demarcam os tempos.
Celebração dos 65 anos do Pau-do-Guarda. Da esquerda para a direita:
Cacá Araújo, Irene Lobo, dona Raimunda, Orleyna Moura, Cicinho e José
Flávio Vieira
Ontem (29/01), portanto, foi uma data para celebrar a memória através dos sabores, das cores, dos sons e das falas do presente. O Tabuleiro (da Carne) estava lotado com a velha e a nova guarda do Crato e do Cariri, rememorando ou (re)conhecendo as imbrincadas velhas e novas cartografias da noite boêmia regional, em um palimpsesto que remete aos tempos e às experiências tidas como inolvidáveis.
Gastronomia tradicional, verdadeiro patrimônio da cultura regional, aliou-se à música de seresta e ao teatro que narrou, de forma bem-humorada, a história do tradicional restaurante Pau-do-Guarda, em um magistral texto escrito por José Flávio Vieira e interpretado pelos atores Cacá Araújo, Orleyna Moura e João do Crato.
Quem foi viu, sentiu, degustou e comprovou: é possível voltar no tempo, desde que o passado permaneça vivo na memória.
P.S.: O restaurante Pau-do-Guarda tinha este nome em decorrência de um pau-cancela que existia nas proximidades, na saída do Crato para o Juazeiro. O pau era manuseado por um guarda fiscal, visando controlar o fluxo de carros que transportavam cargas e mercadorias - o que hoje se chama posto fiscal e que naquele tempo a população chamava de pau-do-guarda.
Ontem (29/01), portanto, foi uma data para celebrar a memória através dos sabores, das cores, dos sons e das falas do presente. O Tabuleiro (da Carne) estava lotado com a velha e a nova guarda do Crato e do Cariri, rememorando ou (re)conhecendo as imbrincadas velhas e novas cartografias da noite boêmia regional, em um palimpsesto que remete aos tempos e às experiências tidas como inolvidáveis.
Gastronomia tradicional, verdadeiro patrimônio da cultura regional, aliou-se à música de seresta e ao teatro que narrou, de forma bem-humorada, a história do tradicional restaurante Pau-do-Guarda, em um magistral texto escrito por José Flávio Vieira e interpretado pelos atores Cacá Araújo, Orleyna Moura e João do Crato.
Quem foi viu, sentiu, degustou e comprovou: é possível voltar no tempo, desde que o passado permaneça vivo na memória.
P.S.: O restaurante Pau-do-Guarda tinha este nome em decorrência de um pau-cancela que existia nas proximidades, na saída do Crato para o Juazeiro. O pau era manuseado por um guarda fiscal, visando controlar o fluxo de carros que transportavam cargas e mercadorias - o que hoje se chama posto fiscal e que naquele tempo a população chamava de pau-do-guarda.
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