O Instituto Cultural do Cariri junta-se à sociedade caririense, neste 21 de Maio, quando se comemora o centenário do odontólogo e professor cratense Dr. JOSÉ NILO ALVES DE SOUZA. A trajetória luminosa do Dr. José Nilo continua a orientar horizontes e abrir veredas de esperança, nestes tempos tão sombrios.
O Índio Manso
“Eu não tenho paredes,
Só tenho horizontes...”
Mário Quintana
Existem
arquitetos especiais nesta vida que se especializam em construir estradas e não
em cavar abismos; que edificam pontes ao
invés de cercas e que, diante das
montanhas, aparentemente
intransponíveis, perfuram túneis. Há ,
entre eles, ainda, alguns mais notáveis: aqueles que erigem suas obras,
silentemente, longe dos holofotes , utilizando o mais sofisticado de todos os
instrumentos: a simplicidade. Neste 21 de maio, celebramos o centenário de um desses artífices
da felicidade, do bem-estar e do júbilo. Um borrifador de bem-querença, um
aspersor de luz e cordialidade. José Nilo Alves de Souza, um nome que soa como
uma sinfonia de Mozart para todos da sua geração, nasceu em Crato, na rua
Nélson Alencar, filho do marceneiro Jorge Lucas e de D. Isabel. Neste mesmo
benfazejo ninho, brotariam outras figuras queridas e notáveis
do Cariri, como Dr. José Newton , Profa. Maria Nilza, o funcionário federal Francisco
de Assis, o comerciante Oduvaldo , o jornalista Oswaldo Alves e o professor
Dailton.
Zé
Nilo fez os primeiros estudos no Colégio Santa Inês, na praça da Sé, enquanto
ajudava ao pai nos trabalhos de carpintaria. Dele herdou um bom um humor fino e
uma irreverência doce e contida. Depois,
no Ginásio do Crato, concluiu o curso ginasial, embarcando para Fortaleza nos
anos 30, com o colega Aníbal Viana de Figueiredo, outra figura icônica da
odontologia cearense. No antigo Liceu do Ceará, preparou-se para o vestibular,
ingressando na Faculdade de Farmácia e Odontologia , onde colou grau em 1944.
Paralelamente, Zé Nilo alistou-se no
Exército Brasileiro, chegando a 2º Tenente.
Em 1945, estaria de volta à sua cidade natal onde
passou a clinicar , na mesma rua que viu primeiro nesse mundo. Zé Nilo, então,
ecleticamente, envolveu-se em muitas outras atividades. Foi Diretor do Tiro de
Guerra- 205 em Crato ( quase impossível imaginar uma figura tão pacífica na
caserna). Fez-se professor de Geometria
Analítica no Colégio Diocesano e , por
mais de um quartel de século, orientou e formou muitas gerações de jovens.
Lembrado por muitos alunos como um mestre metódico, sério, educado e fino.
Trabalhou ainda no pioneiro Hospital São Francisco de Crato, voluntariamente, atendendo
às segundas , os matutos que vinham às compras na nossa feira semanal. Mesmo
trabalho odontológico voluntário desempenhou, por muitos anos, junto ao
Seminário São José . No final dos anos
50, Zé Nilo fez parte um movimento em prol da criação de uma Faculdade de
Odontologia do Crato, que infelizmente, nunca se concretizou. Nos anos 70, inauguraria , com os Drs.
Henrique Costa e Fátima Lemos, a Clínica Cirandinha, nesta cidade, ainda em
plena atividade nos dias de hoje.
Na vida
pessoal, Zé Nilo casou com D. Maria Yedda, em 1955, nascendo do enlace quatro
filhos, todos ungidos dos benfazejos eflúvios emanados dos seus pais.
Em 2 de maio
de 1992, próximo ao aniversário de 72 anos, o “Índio Manso” ( como ele se
auto-apelidava) quebrou a rotina diária
da sua oca e da sua taba : cuidar dos
passarinhos, ir ao mercado, ouvir a BBC de Londres, ler e atender no
consultório da esquina, como o vinha fazendo nos quase últimos quarenta anos. A Nélson Alencar esmaeceu naquele dia, a
cidade tomou ares de sexta-feira santa. Ficou uma saudade transbordante: da sua finura de trato, da sua educação
congênita, do bom humor irrefreável, da sua boêmia apenas verbal, das suas bonomia e singeleza, do desprendimento (
Dr. Zé Nilo era quase uma entidade filantrópica) e do profissional ético,
capaz, afável, tido por seus pares, em toda sua trajetória, como o maior
odontólogo caririense da sua geração.
Cem anos
depois, permanecem na memória, como seu maior legado, aquela maneira simples,
lhana e desafetada de encarar a vida, a capacidade quase única de boiar na
correnteza e deixar-se levar, placidamente, pelo fluxo das águas da existência.
Um dia -- há muitas curvas sinuosas, no trajeto do rio-- ao chegar à foz,
percebeu que se juntava, homegeamente, a todos elementos da natureza: Zé Nilo
era um homem sem paredes, só tinha horizontes...
J. Flávio Vieira
Crato, 19/05/20
Meu irmão Zė Flávio,
ResponderExcluirboa madrugada.
A emoção inundou rios e riachos venosos, despertando do repouso noturno este meu coração ocupado em amar. Li, comovido e contente, seu precioso texto. Estão confirmados mais uma vez seu brilhante dom narrativo, seu poético agir e sua competência como escritor sagaz e criativo. Seu texto comprova, ademais, indícios claros de uma generosidade, um fino senso de humor e uma afabilidade sediadas na pessoa particularįssina de José Nilo, mas que te constituem e fundam. Só poderia falar da essência de Dr. Zé Nilo alguém que, nas sinuosas curvas do rio da convivência, tivesse estudado seu fazer e seu procedercproceder o respeito e a admiração de um aprendiz.
Sua homenagem em prosa revela que bem conhecia o mestre: dedicação e serviço no labor de garantir sorrisos; cidadania municipal e visão cosmopolita; caridade com feirantes, pobres, prostitutas e outros desvalidos (ao modo do Homem de Nazaré); inteligência e graça no falar jocoso e no dom de tornar leve o peso das coisas da vida; vida monástica e interiorizada no cuidar da família, dos passarinhos e dos clientes-amigos; o cientista sério e aplicado em seus ofícios; o menino que nunca esqueceu de viver brincando.
Além do senso de humor, do ser monástico, do hábito de ouvir rádios locais e mundiais décadas antes da comunicação celular, do amor aos estudos e à disciplina acadêmica e da primorosa coleção de selos que dele honrosamente ganhei e mantenho, atribuo ao meu amado tio mais do que o meu amor pelos pássaros, na minha vocação de ornitólogo, mais do que minha instransigente defesa da natureza e do nosso patrimônio histórico e arquitetônico, a leveza do ser: ser doce, amigo, amável, terno, fraterno e alegre.
Profundamente alegre.
O sorriso que provém da alma é mesmo um mantra. Uma oração.
Herança dos Alves de Sousa que ganhou uma versão ímpar: o modo
Zé Nilo de ser e amar; um jeito sábio, simples, original,
autêntico, definitivo.
Registro, aqui, a sincera gratidão da família.
E a minha.
Deus te ilumine, meu irmão.
Paulo de Tarso Barreto Alves de Sousa.
Vale do Cariri, 26 de Maio de 2020
Meu irmão Zė Flávio,
ResponderExcluirboa madrugada.
A emoção inundou rios e riachos venosos, despertando do repouso noturno este meu coração ocupado em amar. Li, comovido e contente, seu precioso texto. Estão confirmados mais uma vez seu brilhante dom narrativo, seu poético agir e sua competência como escritor sagaz e criativo. Seu texto comprova, ademais, indícios claros de uma generosidade, um fino senso de humor e uma afabilidade sediadas na pessoa particularįssina de José Nilo, mas que te constituem e fundam. Só poderia falar da essência de Dr. Zé Nilo alguém que, nas sinuosas curvas do rio da convivência, tivesse estudado seu fazer e seu procedercproceder o respeito e a admiração de um aprendiz.
Sua homenagem em prosa revela que bem conhecia o mestre: dedicação e serviço no labor de garantir sorrisos; cidadania municipal e visão cosmopolita; caridade com feirantes, pobres, prostitutas e outros desvalidos (ao modo do Homem de Nazaré); inteligência e graça no falar jocoso e no dom de tornar leve o peso das coisas da vida; vida monástica e interiorizada no cuidar da família, dos passarinhos e dos clientes-amigos; o cientista sério e aplicado em seus ofícios; o menino que nunca esqueceu de viver brincando.
Além do senso de humor, do ser monástico, do hábito de ouvir rádios locais e mundiais décadas antes da comunicação celular, do amor aos estudos e à disciplina acadêmica e da primorosa coleção de selos que dele honrosamente ganhei e mantenho, atribuo ao meu amado tio mais do que o meu amor pelos pássaros, na minha vocação de ornitólogo, mais do que minha instransigente defesa da natureza e do nosso patrimônio histórico e arquitetônico, a leveza do ser: ser doce, amigo, amável, terno, fraterno e alegre.
Profundamente alegre.
O sorriso que provém da alma é mesmo um mantra. Uma oração.
Herança dos Alves de Sousa que ganhou uma versão ímpar: o modo
Zé Nilo de ser e amar; um jeito sábio, simples, original,
autêntico, definitivo.
Registro, aqui, a sincera gratidão da família.
E a minha.
Deus te ilumine, meu irmão.
Paulo de Tarso Barreto Alves de Sousa.
Vale do Cariri, 26 de Maio de 2020
Correção:
ResponderExcluir...tivesse estudado seu fazer e seu proceder com o respeito e a admiração de um aprendiz.