“A riqueza não se mede pelos bens que
se possui, mas sim pelo bem que se
faz.”
Cervantes
A vida é
uma peregrinação rumo a uma Meca sempre misteriosa e desconhecida. O condutor
enigmático parece o motorista invisível
de um trem fantasma. E nunca sabemos em que estação iremos
desembarcar. O porto derradeiro , único e singular para
cada um dos passageiros, é apenas uma
mera perspectiva. Para alguns, início de outras viagens igualmente esfíngicas e
insondáveis; para outros o redemoinho, o vórtice final: o moinho onde se pulverizam sonhos e
ilusões.
O
caminho e a travessia inescrutáveis sufocam os viajantes de angústias e
presságios. Alguns peregrinos, trespassados pelo segredo indecifrável,
isolam-se em suas poltronas; outros acreditam que tudo é permitido e
estabelecem a ética estranha do “salve-se
quem puder” e do “quem for frágil que se espatife”. Há, felizmente, alguns poucos visionários, aqueles
que se desligam do destino final e nebuloso ( talvez porque para eles as
certezas sobrepujem as dúvidas) e se fixam, cuidadosamente, no milagre da viagem. Curtem a paisagem estonteante que
salta pela janela, dividem com os companheiros a mágica do encontro e as
impressões da jornada. E há, ainda, os
que, imantados de uma rara santidade, ainda amparam os angustiados, enxugam as
lágrimas dos desesperados e acolhem os desprotegidos das segunda e terceira
classes do trem. No fundo, eles descobriram, sim, que é a viagem que importa e
não o destino impenetrável ou, quem sabe, têm o dom da profecia e conseguem
pressentir que há, sim, um paraíso idílico além do muro da última estação.
Neste
mês, iniciamos a celebração do centenário de um desses míticos e sagrados
peregrinos. Chamava-se Madre Feitosa. Religiosa, profundamente espiritualizada,
era uma missionária de certezas e de esperanças. Transmitia alegria, espalhava
convicções, alargava horizontes, por simples osmose, a quem dela se
aproximasse. Durante toda a vida, fez-se
o ombro amigo, a confidente calma e sincera, a bengala dos que fraquejavam e a
muleta dos mutilados. Uma força estranha
, como um facho de luz permanente, iluminava seus caminhos e ela, durante toda
a existência, fez-se o reflexo dessa luz. Percebia que a Fé tinha o poder quase
que único de tornar a romaria do trem menos penosa , mas que devia ser
administrada, terapeuticamente, não como um remédio amargo, mas ,
homeopaticamente, em múltiplas doses: pela bondade e pelo exemplo. Madre Feitosa
tinha ciência, ainda, que havia, sim, a possibilidade dos desafortunados das
segunda e terceira classes do trem chegarem às poltronas, fazendo seu passeio
menos penoso e mais feliz e igualitário.
O ingresso, para isso, a entrada para o novo vagão, tinha um nome,
chamava-se: Educação. E foi, por isso mesmo, que se fez mestra e condutora de
uma legião imensa de novos viandantes que, agora, vislumbrando novas janelas e
paisagens, passaram a degustar a excursão por novas perspectivas e novos
ângulos.
Há
alguns meses, por fim, a Madre foi avisada que havia chegado a sua estação de
desembarque. Desceu na gare, placidamente, com o enlevo de quem tinha adorado a
viagem e, mais: havia espargido os vagões com as tintas novas e brilhantes do
júbilo e da esperança, para aqueles que continuavam a jornada pelos trilhos da
existência. Depois do desembarque, todos percebem que uma luz mais brilhante entra pelas janelas e um arco-íris teima em
invadir o trem pelas claraboias.
JOSÉ FLÁVIO PINHEIRO VIEIRA
PRESIDENTE DO ICC
Uma Homenagem do Instituto Cultural do
Cariri, na abertura do Ano Centenário da
Madre MARIA Carmelina Feitosa
Crato, 11/09/20