Caros Amigos do ICC,
Entre o dedo e o
dedão a caneta
Parruda pousa; como arma pega.
Sob minha janela, um som raspante e claro
Quando a pá penetra a crosta de cascalho:
Meu pai, cavando. Olho para baixo.
Até seu dorso reteso entre os canteiros
Encurvar-se, brotarem vinte anos atrás
Dobrando-se em cadência nos batatais
Onde estava cavando.
A chanca aninhada no rebordo, o cabo
Alçado contra o joelho interno com firmeza.
Ele extirpava talos altos, fincava o fio luzidio
Para espalhar batatas novas que colhíamos
Adorando a fresca dureza nas mãos.
Por Deus, o velho sabia usar uma pá.
Tal qual o velho dele.
Meu avô cortou mais turfa num dia
Do que qualquer outro homem no pântano de Toner.
Uma vez levei leite numa garrafa
Mal rolhada com papel. Ele aprumou-se
Para bebê-lo, e em seguida pôs-se a
Talhar e fatiar com precisão, lançando
Torrões nos ombros, indo mais embaixo atrás
Da turfa boa. Cavando.
O cheiro frio de barro de batata, o chape e o trape
De turfa empapada, os curtos cortes de um fio
Nas raízes vivas despertam em minha cabeça.
Mas pá não tenho para seguir homens como eles.
Entre o dedo e o dedão a caneta
Parruda pousa.
Vou cavar com ela
O poeta Seamus Heaney
, prêmio Nobel de Literatura em 1995, num dos seus mais famosos poemas, fala sobre a vida do seu pai e avô, agricultores da Irlanda e lembra que, como não
sabe perfurar a terra, vai usar a caneta
entre os dedos e cavar com ela. Há
exatos 68 anos , tomava posse a primeira diretoria do ICC, num 17 de Outubro, assim constituída: Presidente: Dr. Irineu Pinheiro;
Vice-Presidente: Padre Antonio Gomes de Araújo; Secretário-Geral: Dr. José de
Figueiredo Filho; Secretário: Antonio Levi Epitácio Pereira e Tesoureiro: Amaro José da
Costa. Nomes importantes da sociedade cratense assinaram a ata daquele dia
histórico: Décio Cartaxo, prefeito da cidade, Mons. Pedro Rocha de Oliveira, Lurdinha
Esmeraldo, Álvaro Madeira, Bruno Menezes, Antonio de Alencar Araripe, José do
Vale Feitosa, Aníbal Figueiredo, Jósio Araripe, Gal. Raimundo Teles Pinheiro.
Naquele outubro , um pequerrucho de 08 meses, que inaugurara em dezembro a
Maternidade Dr. Teles, revolvia-se ainda entre suas fraldas e cueiros e seus
sonhos dividiam-se entre chupetas e mamadeiras. Impossível prever que um dia o
destino o conduziria a trilhar os mesmos horizontes , a mesma messe e a mesma
luta de Irineu, J. de Figueiredo Filho , Otacílio Anselmo e tantos e tantos
outros benfeitores da cultura caririense que usaram o ICC como templo.
Hoje, fecha-se mais
um ciclo destes movimentos de rotação e translação. A Gestão 2019-2021 dá por
finalizado seu trabalho. Foram dois anos árduos e tenebrosos. Pegos de
surpresa, por um pandemia atroz, pusemo-nos nas trincheiras da existência, computando gritos e baixas. Mas, rápido, compreendemos que era necessário , mesmo em
meio à dor e ao desapontamento, fazer andar a carruagem . O Instituto não podia
parar, permanecer sonhando , levar a caminhada mesmos aos tropicões, era, no
fundo, uma reverência que fazíamos a todos aqueles que nos antecederam e uma
celebração à vida. Reverenciamos a glória de todos aqueles que nos antecederam
no Instituto Cultural do Cariri nestas
quase sete décadas. Todos batalharam incansavelmente contra o inexorável
apagador do tempo, a maior parte das vezes sem maior apoio governamental. Cada
um dedicou o melhor dos seus dias e seus melhores momentos de lucidez para
legar à posteridade a maior herança que se pode deixar aos que virão: o
conhecimento, a cultura e a memória. Os outros itens testamentais dissipam-se
rapidamente nas batalhas dos inventários e nos confrontos cartoriais. A missão
da atual diretoria me parece bem mais angustiante do que as anteriores: não
bastassem nossas vicissitudes habituais tivemos diante de nós a Covid-19 que
nos imobilizou num claustro de dor e de medo. Hoje, quando se finda nossa
gestão, quero abraçar todos os sócios do ICC que não mediram esforços em nos
ajudar e uniram forças para manter o
fogo sagrado vibrante e aceso. Cumprimento todos no nome da nossa Diretoria :
meu irmão e companheiro Marcos Cunha, meu querido amigo Carlos Rafael, os
incansáveis Jorge Emicles, Roberto Jamacaru, Marcos Eliano, Allan Bastos e a
lenda viva cratense : Huberto Cabral. Gostaria de beijar, particularmente, as
grande mulheres que trouxeram sua força, seu talento e sua sensibilidade feminina a esta gestão:
Fabiana Vieira, Cileide Araújo, Fátima Mendes, Laice Lacerda, Claude Bloc,
Fátima Teles, Anilda Figueiredo. Todos ungidos pela aura do nosso conselho
superior: Bebeto Oliveira, Émerson Monteiro, Olival Honor e Heitor
Feitosa.
Agradecemos de
coração o trabalho da equipe de Marcos
Batista, o eletricista responsável pela maior parte das reformas e
aprimoramentos estruturais deste templo e ao César , nosso pintor que há duas
semanas vem , com afinco, providenciando a cirurgia plástica do ICC. A relação
deles com nossa instituição vai bem além do meramente comercial.
Sei que alguns
méritos tivemos na nossa jornada e gostaria de enumerá-los. Trabalhamos em
equipe e decidimos tudo, democraticamente, em reuniões de
comissões e de diretoria . Só destas , somamos quarenta e duas nestes dois anos.
Entendemos que era preciso abrir o ICC ainda mais para o mundo, máxime em
tempos de pandemia, quando o isolamento
passou a ser a regra. Labutamos de forma remota fisicamente, mas
espiritualmente sempre estivemos juntos. Promovemos trinta e cinco Colóquios de Sabedoria atingindo mais de
duas mil pessoas, muitas delas de cidades, estados e até países diferentes. Mais de quarenta e cinco palestrantes
estiveram em atuação e mais de vinte e cinco músicos abriram e fecharam estes eventos, com música, tornando-os mais serenos e mais atrativos. Encabeçamos
movimentos importantes no Cariri como o da criação da Faculdade da URCA, o da Reestruturação
e reinauguração do Museu Vicente Leite, o da Chapada como Patrimônio da
Humanidade, a luta pela Regularização das ZEA´s do Crato, do Restauro das obras
de Sérvulo Esmeraldo ( as “Pirâmides” da Encosta do Seminário foram
reinauguradas recentemente), da desapropriação da Casa da Bebida Nova com a
proposta de instalação de um Museu a céu aberto com obras públicas de
Sérvulo, dentre tantos outros. Participamos ativamente da estruturação do
Conselho Municipal de Políticas Culturais de Crato, onde nossa representante é
a atual presidente. O ICC também fez-se
parceiro dos Festivais Sérvulo Esmeraldo 2018 e 2021, ajudando na organização
dos eventos, que divulga obra do
cratense, um dos mais importantes artistas plásticos
brasileiros. E, cientes, da importância de inserir-se intimamente na sociedade
em que vivemos, ampliamos nosso leque de parceiros : Urca, Instituto Histórico
do Ceará, DHDPAG, IPESC, Instituto Sérvulo Esmeraldo, Livro de Graça na
Praça, Instituto Fernando Sabino de BH, Fundação Casa Grande , Academia dois
Cordelistas do Crato, Crede 18, Ministério Público, Secult /Crato e Secult
/Ceará, Secretaria de Administração Penitenciária, apenas para citar alguns. No
nosso blog www.icc1953.blogspot.com vocês podem acompanhar o dia a dia
do nosso colegiado, ali está o nosso diário de bordo.
E foi cavando, como
nosso poeta, que descobrimos: se a matéria prima do ourives é o metal, se a do
pintor são as tintas, se a do poeta são as metáforas, o nosso ICC tem como
material básico de trabalho a Memória. É ela que nos nutre, ela é o sangue que
corre nas nossas veias há sete décadas. Levantamos,
cuidadosamente, todo o quadro histórico biográfico de sócios e patronos que
hoje estão estampados num painel defronte ao palco deste auditório. Cadastramos
nossas datas comemorativas e os aniversários do nosso corpo societário. Foi
assim que festivamente comemoramos os centenários de Walderêdo Gonçalves, Padre
Antonio Vieira, Maestro Azul, Madre Carmelina Feitosa, José do Vale Feitosa,
José Cirilo, J. C. Alencar Araripe, Denizard Macedo, Gutemberg Sobreira,
Alderico de Paula Damasceno e o Sesquicentenário de Agostinho Odílio Balmes.
Nossos sócios atuais são também lembrados nos seus natalícios, uma maneira
simples e delicada de valorizá-los.
A manutenção sempre
penosa das instituições culturais brasileiras, criminalizadas nos últimos três
anos, viu-se favorecida pelo desprendimento dos sócios deste Instituto sempre
dispostos a ampará-lo nos momentos de maior tensão. O ICC está com sua saúde
financeira em dia. Com o pouco que nos vai sobrando , temos realizado os
reparos , consertos, melhorias e
manutenções imprescindíveis. A atual diretoria teve o incontestável mérito de
regularizar toda a documentação institucional. Foi assim que pudemos participar
de vários editais, com muitas premiações o que , visivelmente, permitiram-nos
ultrapassar tempos tão tormentosos. Fomos contemplados com a Lei Aldir Blanc,
quando descupinizamos todo o nosso equipamento,
reformamos todo o auditório, , que hoje aqui nos acolhe nesta posse: sistema
novo de som, nova iluminação, nova instalação elétrica, consertos vários na estrutura do prédio de
quase vinte anos. O Edital permitiu-nos, ainda, a digitalização das Revistas
Itayteras de 1 a 48, hoje disponíveis gratuitamente, no nosso site para
download e para pesquisa. Possibilitou, ainda, a digitalização de toda nossa Hemeroteca e de
milhares de manuscritos em avançado
processo, sob os cuidados de Reginaldo
Zurlo. Em um outro Edital Municipal , concorremos e vencemos com projeto para o
Livro de Graça na Praça de 2021 que
será lançado em 04/12 e 11/12 , respectivamente na praça Siqueira Campos e em
uma outra, em bairro socialmente mais
desfavorecido. Será o livro “A Caverna Encantada- Lendas e Mitos do Kariri”,
com vinte e cinco escritores do ICC e mais cinco textos de alunos da Escola
Pública de Ensino Médio do Município, escolhidos em concurso. Em 2019 já
tínhamos, antes da pandemia, realizado o Livro
de Graça na Praça em Crato, com distribuição de mais de 2000 livros doados
por autores locais e nacionais. Um outro projeto encaminhado em nome de
escritoras do ICC ganhou também um Edital paralelo da Lei Aldir Blanc de Crato
e elas lançarão, em novembro próximo, o
livro “Liberdade entre Muros”, com
textos de autoras do ICC e mulheres privadas de liberdade. A pandemia incentivou-nos, outrossim, a
manter-nos vivos e atuantes: nestes dois anos , lançamos duas Itayteras
especiais ( uma sobre o centenário de Madre
Feitosa e uma outra em 2019, no centenário do professor José do Vale
Feitosa) e lançamos, ainda, a Itaytera 49/2020, com 340 páginas, com capa
homenageando Walderedo Gonçalves, na
Praça Siqueira Campos , numa grande festa. Este ano, já está no prelo e, em novembro
próximo , poremos no mundo a Itaytera de
número 50, com 350 páginas, uma homenagem à resiliência e fortaleza desta
publicação que já é uma das mais longevas do nosso estado. A praça Siqueira
Campos tem sido nosso portal de contato com a querida população do Crato. Todas
as quatro últimas edições foram publicadas integralmente com o amparo de amigos
e patrocinadores que não se furtaram a incorporar seus nomes e suas marcas numa
publicação dedicada à história e à memória do nosso povo. Paralisados pela
pandemia , mesmo assim foi possível dar posse, neste mandato, aos sócios: Ana Cecília Bastos, Paulo de Tarso de Sousa, Cláudio Gleidiston Santos,
Antonia Cileide Araújo, Antonia Otonite Cortez, Cristina Maria de Almeida Couto e Diana Arraes Feitosa. Mais de uma
dezena de novos preponentes aguardam um maior arrefecimento do quadro sanitário
para juntar-se a nós neste mesmo teto.
Mesmo com as
restrições sanitárias na maior parte da nossa gestão, tivemos também o lançamento de muitos livros:
À CIDADE - MAILSON FURTADO - 08/11/2019
ÚLTIMO FÔLEGO DO TEMPO - ANTONIO MIRANDA
08/11/2019
RASTROS SOMBRIOS - FLÁVIO MORAIS
13/11/2019
CINCO INSCRIÇÕES PARA MORATALIDADE -
RENATO PESSOA 14/11/2019
QUANDO ÉRAMOS FELIZES, NEM TANTO... -
LUIZINHO FERREIRA - 15/11/2019
ASSIM FALOU SIPAÚBAS - BATISTA DE LIMA
16/11/2019
A CIDADE DOS MEUS SONHOS - JOÃO PIERRE
06/02/2019
JÚLIO SARAIVA – PREFEITO SEM MANDATO DE
JURANDYR TEMÓTEO em 07/07/2021
A HISTÓRIA DO TEATRO CRATENSE –
1850-1950
DE NILSON DE OLIVEIRA MATOS EM
14/09/2021
FRAGMENTOS DE WELLINGTON ALVES EM 05/09/2021
Pois bem, amigos, este é apenas um
pequeno relato das escavações desta gestão neste biênio difícil e restritivo.
Após eleição recente do dia quatro, a atual diretoria foi quase que
integralmente reconduzida. Nunca pretendemos esta continuidade, sempre pensamos
que é importante, sim, manter uma equipe
laboriosa e interessada ativa e atuante, para os melhores destinos do nosso
Instituto. E é por conta da impermanência natural de todas as coisas deste
mundão de meu deus que a continuidade sempre me parece estar na contramão. Mas
as coisas são como são e nunca como a gente planeja. Recebemos de todos essa
dura missão da volta e pretendemos cumprir a confiança que vocês novamente nos
depositaram. Quero aqui agradecer ao nosso querido secretário Carlos Rafael que
por conta de projetos pessoais inadiáveis desfalcará nossa equipe nestes dois
anos e ao nosso Olival Honor a quem pretendemos
dar o descanso do guerreiro depois dos noventa anos recém alcançados.
Damos nossas boas vindas à chegada de Anilda e Armando Rafael que já eram parte
integrante deste time, independentemente de cargos ou funções.
Nossos
objetivos futuros ,que já vinham sendo traçados mesmo no período eleitoral em
que a recondução ainda não estava colocada explicitamente na mesa, não são
tantos. Primeiro , a abertura da instituição para o mundo física e
virtualmente. A manutenção de tudo aquilo que até aqui alcançamos quer do ponto
de vista estrutural, quer no que se refira às nossas atividades habituais e
cotidianas. Pensamos em criar, na galeria superior , um Memorial da História do ICC. No nosso subsolo projetamos edificar um espaço para exposições temporárias
e, a principal meta sonhada e perseguida: uma reestruturação completa da nossa
Biblioteca que tem um acervo valiosíssimo da
História do Sul Cearense, projeto que já encetamos e temos a firme
esperança de ser possível já no início
de 2022. Continuamos firmemente acreditando que a importância de uma entidade
como a nossa mede-se pelas respostas que possa trazer à sociedade onde está
inserida. Num mundo globalizado, sem fronteiras perceptíveis, já não sobrevivem
os impermeáveis e os mandarins. Este
contato contínuo com a realidade que pulsa à nossa volta, essa capacidade de
transformar a pantanosa normalidade aparentemente imutável é que nos faz importantes e imprescindíveis.
Todas as conquistas
deste biênio divido com a equipe que nos acompanhou apesar de todo o isolamento
e todas as restrições inevitáveis. Os desacertos credito na minha conta
pessoal. Agora que o sol começa a
resplandecer no horizonte, antevendo uma manhã mais brilhante, almejamos que
esta luz ilumine e oriente os caminhos do nosso ICC. Que ele mantenha o brilho de outrora, quando nossos antepassados cavavam a terra em
busca de um tesouro sempre longínquo e intangível. Talvez o tesouro fosse o
mesmo que perseguiram o avô e o pai do nosso Seamus, a simples força e
capacidade de Cavar.
Muito Obrigado
!
Crato,
17/10/2021
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