Republicamos aqui uma crônica de J. Flávio Vieira publicada quando da aposentadoria dele do Rádio em 10 de Outubro de 2014.
FAROL
Eram os gloriosos Anos 60, aqui em
Crato. Vivíamos a época de ouro do futebol na nossa cidade. Campos se
multiplicavam pelos subúrbios. Toda uma geração de garotos se imantava na conquista das Copas do Mundo de
1958 e 1962. Times de Futebol Association como o “Sport”, o “Satélite”, o “Rebelde”
e craques como Anduiá, Charuto, Chico Curto, Antonio, Edmilson e Luiz Pé de
Pato, Fruta-Pão , Netinho, Pinto, Enoque levavam a torcida a superlotar o
precário Campo do Sport. Paralelamente, os nossos times de Futebol de Salão
ganharam renome em todo estado pela combatividade e efetividade do seu jogo.
Ainda menino, encantava-me com as disputas gloriosas e acirradas entre o
Votoran, o Volkswagen, a AABB e o Crato Tênis Clube e com as jogadas de craques
como Gledson, Reginaldo, Dote, Luciano, Pernambuco, Zé Vicente, Paulo Cézar,
Gilton. Desses times, periodicamente, se convocava a aguerrida Seleção Cratense
de Futebol.
Com
tantos embates empedernidos e fabulosos, surgiu a necessidade imperiosa do seu
registro midiático e foi justamente neste período que floresceu o jornalismo
esportivo da região, em Crato polarizado entre as duas Rádios : a pioneira
Araripe e a jovem e recém-inaugurada Educadora. Foi neste cenário e com alguns
célebres personagens que aconteceu, nessa época, o mais monumental
acontecimento da história radiofônica caririense.
A
Seleção Cratense de Futebol de Salão , multivitoriosa, viajou para um embate
duríssimo com a Seleção de Iguatu que jogava em casa. A transmissão naqueles
tempos áureos era dificílima. Iguatu encontrava-se numa zona silenciosa de
radiodifusão e só existiam duas maneiras de executar a tarefa. Conectar a rede
diretamente no fio do telégrafo ou na linha do trem, captando, depois, por
fios, diretamente aqui, os sons possíveis e múltiplos que viessem. A qualidade
era péssima, cheia de ruídos e sons adventícios, principalmente quando se
utilizava a modalidade linha do trem. E mais, sem possibilidade de comunicação
direta com a Rádio local, nunca se sabia se a transmissão estava sendo
possível. Era sempre um tiro no escuro.
Pois bem, a Rádio Educadora adiantou-se e, em ofício, solicitou a linha aos “Correios
e Telégrafos”. A Araripe ficou no olha-e-veja, tarde despertou para o fato de
ter sido sobrepassada pela concorrência . Restava-lhe, tão somente, optar pelo
péssimo recurso da linha do trem e a incerteza da possibilidade de
retransmissão ou a certeza de perder a audiência para a Educadora por conta da
baixa qualidade sonora. Um jovem locutor esportivo, então, teve uma ideia
inusitada. Ouvir no estúdio da Araripe em Crato, a transmissão da concorrente e
, através dela, fazer a própria veiculação da partida, como se lá estivessem. O
comentarista esportivo, mais tarimbado, temeu pela dificuldade quase
intransponível do feito, mas, sem opção, acedeu. A equipe cedo se trancou no
estúdio da Araripe, para que todos pensassem que haviam viajado para Iguatu e,
de lá, sorrateiramente, ouvindo a emissão defeituosa e cheia de ruídos da
Educadora, retransmitiram, como se lá estivessem, todo o jogo. Até mesmo o
segundo gol do time do Crato , gritaram antes . Como foi possível ? O jovem
locutor, atento, em meio a propaganda da Araripe, percebeu quando a torcida do
Crato berrou : Gol de Gledson ! E, antes da adversária, sapecou : -- Gollll da Seleção
Cratense ! Gledson ! O comentarista, anos depois, contava que o mais terrível
era ter que comentar os lances sem ver e, mais, no intervalo do jogo, ver-se na
imperiosa necessidade de fazer considerações minuciosas por mais de quinze
minutos sobre a partida. Nem é preciso dizer que todo Cariri optou pela
transmissão da Rádio Araripe, limpíssima e sem quaisquer barulhos estranhos.
Quando a Educadora descobriu o blefe , estabeleceu-se uma celeuma danada,
protestos e mais protestos, editoriais no noticiário. Nem sequer perceberam que
haviam presenciado a mais extraordinária façanha do Rádio caririense em todos
os tempos, protagonizada por um jovem locutor esportivo, ainda pouco conhecido,
chamado Heron Aquino e um comentarista já mais taludo e que se tornaria,
depois, um dos nomes mais queridos do jornalismo cearense : Elói Teles.
Pois
bem, amigos, rápido, cinquenta anos se foram desfolhando, como por encanto, na
Folinha da parede. O nosso querido comentarista já hoje flutua nas ondas
celestiais. Neste dez de setembro, o Dia
da Imprensa , o Cariri emudece um pouco mais, quando seu companheiro, o jovem locutor de outrora, resolveu
dependurar o microfone.
Neste interlúdio de meio século,
Heron Aquino se tornou o mais completo nome do Rádio Caririense. Locutor,
Narrador Esportivo, Noticiarista, Disk-Jóquei, Cerimonialista, Assessor de
Imprensa, Produtor, Publicitário, Diretor de Emissoras de Rádio, Redator e Repórter,
desempenhou as mais variadas e díspares funções com galhardia, competência e
simplicidade. Trabalhou ainda em Fortaleza,
na Ceará Rádio Clube e na TV Ceará e poderia ter tido uma fulgurante e
próspera carreira nas terras alencarinas se
a saudade do pé-da-serra não tivesse vencido aos doces prazeres da
beira-mar. Aqui retornou e fez sua voz
brilhante e característica se transformar na voz oficial da nossa cidade. Ético, nunca fez da sua atividade um balcão de
tramoias e negociatas, não precisou por qualidades em quem não tem, nem
pespegar virtudes em salafrários. Equilibrado sempre propagou a notícia como um
mote para que o ouvinte , do outro lado, desenvolvesse sua própria glosa.
Sem
Heron, o Rádio perde uma voz importante e isenta e um técnico de uma
completude quase que insubstituível. Ele
seguiu, intuitivamente, os
preceitos de Pulitzer do bom jornalismo : foi sempre breve para que fosse
ouvido; claro para que lhe apreciassem; original para que nunca o esquecessem e
, acima de tudo, preciso para que , como um farol, muitos viessem a ser guiados
por sua luz.
Crato, 10/10/14