NOTA DE PESAR
“Há grandes homens que fazem com que todos se sintam pequenos.
Mas o verdadeiro grande homem é aquele que faz
com que todos se sintam grandes.”
Gilbert Keith Chesterton
Neste 05 de Março, com a partida inesperada do Dr. Napoleão Tavares Neves, o Cariri perde uma de suas lendas. Nascido , em Jardim, em 17/09/1930, com nome imperial, o menino Napoleão, ao contrário do seu xará francês, edificou sua grandeza em outros campos de batalhas, menos bélicos e sanguinolentos. Nos anos 40, estudou no Ginásio Diocesano do Crato, numa turma eivada de outros caririenses ilustres como Ariovaldo Carvalho e o artista plástico Sérvulo Esmeraldo. Escolheu a Medicina como missão de sua vida e formou-se em 1958, pela Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco, hoje UPE. Dedicou toda sua existência à Saúde do Cariri, trabalhando no Hospital São Francisco de Crato, no Hospital São Lucas em Juazeiro do Norte e no antigo SAMDU ( INAMPS), por mais de trinta anos, na cidade do Padre Cícero. Com a inauguração do Hospital São Vicente de Paula em Barbalha, nos anos 70, o Dr. Napoleão, ampliando suas atividades como clínico, fez-se diretor da instituição --- hoje uma das maiores referências em saúde da região – por muitos anos. Após os 70 anos, por fim, Dr. Napoleão voltou-se para a Saúde Comunitária, uma de suas paixões, no Programa Saúde da Família. Manteve seu consultório aberto a toda a população, até que o inverno da existência não o mais permitisse trabalhar. Dr. Napoleão perfilou-se junto a uma das últimas gerações de médicos para quem o Humanismo estava bem acima da Técnica: Dr. Leão, Possidônio Bem, Lyrio Callou, Maurício Teles e muitos e muitos outros para quem o conhecimento de Filosofia, Literatura, Sociologia era tão importante, na grade curricular, quanto os de Fisiologia e Anatomia. Já idoso, Dr. Napoleão, no PSF, ligou para o Secretário de Saúde de Barbalha e ordenou que enviasse cestas básicas para o Posto em que trabalhava pois ali o problema maior da população era Fome. Esta geração gloriosa entendia que estar saudável não se resumia apenas em não ter nenhuma doença, era preciso ter condições mínimas de subsistência para não as desenvolver.
A magnitude do grande conquistador Napoleão Neves extrapolava muito a sua profissão. Dedicou-se à Memória do povo Cariri, registrando nossa saga em muitos livros e artigos. Teve uma honradez invejável em todo seu percurso de vida, tornando-se uma dos nossas únicas unanimidades. Inexiste, por incrível que pareça, em todo seu itinerário, um único fato que macule sua existência. Nunca se meteu nos ínvios e pantanosos meandros da política partidária e tinha tudo para fazê-lo, pelo reconhecimento e amor que a população lhe devotava. Talvez temesse manchar seu terno branco incólume no lamaçal que se tornara a política brasileira. Como pai de família, destilou o mesmo mel que distribuía a todos aqueles que dele se acercassem, as filhas, todas seguindo o caminho paterno, tornaram-se profissionais exemplares, doces e afáveis. E o mais grandioso na sua passagem por esse planeta: Dr. Napoleão tinha um raro problema oftalmológico: Ele só conseguia enxergar o lado bom das pessoas. Nunca presenciei um relato seu que desabonasse qualquer colega ou conhecido: todos eram bons, direitos, perfeitos. E , antes de tudo, extremamente bem humorado, cheio sempre de causos e peripécias para contar, nosso querido Napoleão, embora profundamente religioso, não tinha falso moralismo, puritanismo excessivo: conversava-se com ele, animadamente, qualquer assunto por mais cabeludo e extemporâneo que parecesse.
Durante seu percurso terrestre, Dr. Napoleão foi agraciado com incontáveis prêmios e comendas. Doutor Honoris Causa da URCA, Acadêmico da Academia Cearense de Medicina, Membro do ICVC e de muitas outras associações Brasil afora. Comentava, sempre, risonho, que aqueles galardões não eram bom sinal. Quando interrogávamos, confusos ,o porquê, ele afirmava que essas comendas sempre carregavam alguma coisa de póstuma. No nosso Instituto Cultural do Cariri ele ocupava a Cadeira Número 1, da Seção Ciências, que tem como patrono José Barreto Sampaio, desde 1970. Prolífico escritor, deixou mais de 50 artigos publicados na nossa Revista Itaytera, sendo o mais importante historiador da Medicina do Cariri.
O Instituto Cultural Cariri, hoje, cobre-se de um tempestuoso pesar pela despedida física de um sócio tão insigne e valoroso. Fica-nos, no entanto, um bálsamo a embalar-nos a alma: a certeza de que um percurso luminoso e libertário fez-se gigantesco, por si só, pela grandeza de ter proporcionado a elevação humana de tantos e tantos nestas terras caririenses.
Crato, 05 de Março de 2022
J. Flávio Vieira
Presidente do ICC
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