sexta-feira, 11 de março de 2022

Um templo e seus elos

 


Há edifícios  que parecem conservar , intransigentemente, as nobres e heráldicas qualidades para as quais foram construídos. O Seminário Sagrada Família, em Crato, foi erguido no finalzinho dos Anos 40, pela Ordem Secular : “Missionários da Sagrada Família”, ali no Sítio Recreio. O Seminário permaneceu atuante até o início dos anos 70. Nos seus vinte e três anos de atividade, os padres alemães, dentre eles  Xavier e Frederico Nierhoof, formaram muitas gerações de jovens caririneses , imprimindo-lhes profunda formação científica e religiosa. Louve-se, ainda, a forte atuação comunitária dos missionários , na organização de associações , sindicatos, creches e postos de saúde na nossa cidade. O prédio monumental na sua arquitetura,  após a desativação das atividades religiosas, transformou-se, logo em seguida , no Hospital Manuel de Abreu, sob a direção do Dr. Humberto Macário de Brito,  e que contou  com inúmeros outros profissionais médicos da região levando-o a se consolidar como  uma das mais importantes Casas de Saúde do Sul Cearense , por mais de quarenta anos. Inicialmente dedicado à Tisiologia, aos poucos foi migrando para Hospital Geral. Novamente desativado , o portentoso edifício alemão foi , por fim, chamado para uma outra missão nova e relevante. Ele sediará, já em  avançado trabalho de reconstrução, o Monumental  Centro Cultural do Cariri que estampará o nome de Sérvulo Esmeraldo no seu frontispício -- cratense de corpo, alma e arte -- um dos mais importantes escultores brasileiros. O edifício nunca perdeu seu viés sagrado: inicialmente na religião, na saúde depois  e, agora, na Cultura.

                                    A obra -- visitei-a recentemente e saí literalmente abismado -- é majestosa, imponente, homérica, digna da magnificência da Cultura Caririense. O prédio original, totalmente reformado, abrigará residência para artistas visitantes, imensas galerias para exposições, auditório, salas incontáveis para reuniões e colóquios, loja,  restaurante e extenso setor administrativo. Ao seu derredor, um imenso terreiro para manifestações de Cultura de Tradição, uma extensa e acolhedora área arborizada. Atrás do prédio original, em avançada construção, um teatro moderno, com capacidade para 530 pessoas, com palco versátil abrindo-se para o teatro original e para os jardins. Ainda , a pleno vapor, ergue-se um planetário e uma área específica para atividades esportivas : skate, vôlei/basquete, futebol.

                                    Paralela à edificação existe todo um trabalho de Arte educação envolvendo os trabalhadores , pedreiros, serventes para que se sintam partícipes do processo e não apenas meros funcionários. Registros em Lambe-Lambe, shows musicais, registros xilográficos são tocados pelos artistas Luiz Santos e  Carlos Henrique, com um desvelo quase sacerdotal , digno dos tempos do antigo Seminário Sagrada Família.

                        O nosso Centro deve ser inaugurado , parcialmente, no início de abril e finalizado até o apagar desse ano. Pelas proporções grandiosas da obra e pelas alvissareiras perspectivas de holofote, amplificação e apoio à fortíssima Cultura do Cariri, nossa região passa a ter, mais do que nunca, uma dívida eterna com o governador Camilo Santana.  Ele teve a sensibilidade de perceber que amparando nossa Cultura, erguendo um templo para ela,  está, na realidade, multiplicando e fortalecendo a vocação natural da nossa terra.

                        Nestes momentos que antecedem os grandes feitos, sempre polêmicas e dúvidas acabam por eclodir. Máxime em períodos eleitorais onde se acirram os ânimos e as farpas. Quem administrará o Centro ? Longe das pequenezes bairristas, esperamos que seja alguém com a capacidade, o conhecimento e a fortaleza necessários a uma responsabilidade tamanha. O Centro terá a abrangência imprescindível na região ? Essa teia terá que ser tecida, continuamente, pelos atores e  líderes regionais, os mesmos que fazem a interrogação serão os donos da resposta. Não seria mais importante ter um Hospital ou uma Escola no lugar do Centro Cultural ? Educação, Saúde e Cultura têm o mesmo peso e relevância no soerguimento e elevação humana de qualquer sociedade.  Como torná-lo vivo, atuante e afastá-lo do risco do elefantismo branco ? O importante é que a estrutura gigantesca estará, em breve, pronta. Entendemos das sucessões normais dos processos democráticos. Caberá a nós mesmos, cidadãos e cidadãs caririenses, lutar, continuamente para que seus relevantes serviços nunca arrefeçam. Ou seja, teremos que consertar o avião com ele voando e mais: somos nós mesmos que desempenharemos o papel de mecânicos e técnicos.

                        Sabemos , perfeitamente, que o Centro Cultural do Cariri  não está sediado em Crato por mero acaso. Temos o pioneirismo do  Cinema do interior do Ceará, do primeiro jornal, do primeiro Curso Secundário. Somos o berço dos primeiros movimentos libertários. Terra de nomes grandiosos como Sérvulo Esmeraldo, D. Bárbara, Fran Martins, Vicente Leite, Martins Filho, Abidoral Jamacaru, Tiago Santana,  Anicetos , Chico José , Walderêdo Gonçalves  e muitos e muitos outros.

                        O Crato entende perfeitamente da resistência e da importância das correntes. O Centro Cultural do Cariri terá essa importância de unir os diversos elos espalhados ao derredor da nossa Chapada, com suas nuances e identidades culturais. Teremos, a partir deste ano, um templo para as nossas manifestações. Nossa robustez dependerá  não dos elos mais vigorosos e fortes, mas dos mais frágeis e vulneráveis. Nestes,  dorme o segredo da nossa pujança e a certeza de que as verdadeiras correntes são aquelas que unem, sim,  mas, principalmente,  não aprisionam.

Crato, 11/03/2022

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