Há edifícios que parecem conservar , intransigentemente, as nobres e heráldicas qualidades para as quais foram construídos. O Seminário Sagrada Família, em Crato, foi erguido no finalzinho dos Anos 40, pela Ordem Secular : “Missionários da Sagrada Família”, ali no Sítio Recreio. O Seminário permaneceu atuante até o início dos anos 70. Nos seus vinte e três anos de atividade, os padres alemães, dentre eles Xavier e Frederico Nierhoof, formaram muitas gerações de jovens caririneses , imprimindo-lhes profunda formação científica e religiosa. Louve-se, ainda, a forte atuação comunitária dos missionários , na organização de associações , sindicatos, creches e postos de saúde na nossa cidade. O prédio monumental na sua arquitetura, após a desativação das atividades religiosas, transformou-se, logo em seguida , no Hospital Manuel de Abreu, sob a direção do Dr. Humberto Macário de Brito, e que contou com inúmeros outros profissionais médicos da região levando-o a se consolidar como uma das mais importantes Casas de Saúde do Sul Cearense , por mais de quarenta anos. Inicialmente dedicado à Tisiologia, aos poucos foi migrando para Hospital Geral. Novamente desativado , o portentoso edifício alemão foi , por fim, chamado para uma outra missão nova e relevante. Ele sediará, já em avançado trabalho de reconstrução, o Monumental Centro Cultural do Cariri que estampará o nome de Sérvulo Esmeraldo no seu frontispício -- cratense de corpo, alma e arte -- um dos mais importantes escultores brasileiros. O edifício nunca perdeu seu viés sagrado: inicialmente na religião, na saúde depois e, agora, na Cultura.
A obra -- visitei-a
recentemente e saí literalmente abismado -- é majestosa, imponente, homérica,
digna da magnificência da Cultura Caririense. O prédio original, totalmente
reformado, abrigará residência para artistas visitantes, imensas galerias para
exposições, auditório, salas incontáveis para reuniões e colóquios, loja, restaurante e extenso setor administrativo. Ao
seu derredor, um imenso terreiro para manifestações de Cultura de Tradição, uma
extensa e acolhedora área arborizada. Atrás do prédio original, em avançada construção,
um teatro moderno, com capacidade para 530 pessoas, com palco versátil
abrindo-se para o teatro original e para os jardins. Ainda , a pleno vapor,
ergue-se um planetário e uma área específica para atividades esportivas :
skate, vôlei/basquete, futebol.
Paralela à
edificação existe todo um trabalho de Arte educação envolvendo os trabalhadores
, pedreiros, serventes para que se sintam partícipes do processo e não apenas
meros funcionários. Registros em Lambe-Lambe, shows musicais, registros
xilográficos são tocados pelos artistas Luiz Santos e Carlos Henrique, com um desvelo quase
sacerdotal , digno dos tempos do antigo Seminário Sagrada Família.
O nosso Centro deve ser
inaugurado , parcialmente, no início de abril e finalizado até o apagar desse
ano. Pelas proporções grandiosas da obra e pelas alvissareiras perspectivas de
holofote, amplificação e apoio à fortíssima Cultura do Cariri, nossa região
passa a ter, mais do que nunca, uma dívida eterna com o governador Camilo
Santana. Ele teve a sensibilidade de
perceber que amparando nossa Cultura, erguendo um templo para ela, está, na realidade, multiplicando e
fortalecendo a vocação natural da nossa terra.
Nestes momentos que
antecedem os grandes feitos, sempre polêmicas e dúvidas acabam por eclodir.
Máxime em períodos eleitorais onde se acirram os ânimos e as farpas. Quem
administrará o Centro ? Longe das pequenezes bairristas, esperamos que seja
alguém com a capacidade, o conhecimento e a fortaleza necessários a uma
responsabilidade tamanha. O Centro terá a abrangência imprescindível na região
? Essa teia terá que ser tecida, continuamente, pelos atores e líderes regionais, os mesmos que fazem a
interrogação serão os donos da resposta. Não seria mais importante ter um
Hospital ou uma Escola no lugar do Centro Cultural ? Educação, Saúde e Cultura têm
o mesmo peso e relevância no soerguimento e elevação humana de qualquer
sociedade. Como torná-lo vivo, atuante e
afastá-lo do risco do elefantismo branco ? O importante é que a estrutura
gigantesca estará, em breve, pronta. Entendemos das sucessões normais dos
processos democráticos. Caberá a nós mesmos, cidadãos e cidadãs caririenses,
lutar, continuamente para que seus relevantes serviços nunca arrefeçam. Ou seja,
teremos que consertar o avião com ele voando e mais: somos nós mesmos que
desempenharemos o papel de mecânicos e técnicos.
Sabemos , perfeitamente,
que o Centro Cultural do Cariri não está
sediado em Crato por mero acaso. Temos o pioneirismo do Cinema do interior do Ceará, do primeiro
jornal, do primeiro Curso Secundário. Somos o berço dos primeiros movimentos
libertários. Terra de nomes grandiosos como Sérvulo Esmeraldo, D. Bárbara, Fran
Martins, Vicente Leite, Martins Filho, Abidoral Jamacaru, Tiago Santana, Anicetos , Chico José , Walderêdo Gonçalves e muitos e muitos outros.
O Crato entende
perfeitamente da resistência e da importância das correntes. O Centro Cultural
do Cariri terá essa importância de unir os diversos elos espalhados ao derredor
da nossa Chapada, com suas nuances e identidades culturais. Teremos, a partir
deste ano, um templo para as nossas manifestações. Nossa robustez
dependerá não dos elos mais vigorosos e
fortes, mas dos mais frágeis e vulneráveis. Nestes, dorme o segredo da nossa pujança e a certeza
de que as verdadeiras correntes são aquelas que unem, sim, mas, principalmente, não aprisionam.
Crato,
11/03/2022
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